Anfetamina liberada para o tratamento da compulsão alimentar nos EUA
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Anfetamina liberada para o tratamento da compulsão alimentar nos EUA


Propaganda da década de 50 de um anfetamínico

A FDA (Food and Drug Administration), agência americana que regula a liberação de novos medicamentos, aprovou em fevereiro uma nova droga para ser usada no tratamento do transtorno de compulsão alimentar (TCA), chamada Vyvanse. No Brasil, o remédio se chama Venvanse e seu uso é aprovado somente para o tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

A substância ativa, lisdexanfetamina, é da família das anfetaminas, drogas já conhecidas por seu papel estimulador do sistema nervoso central e por seu papel anorexígeno, ou seja, promovem inibição da fome. As anfetaminas, muito usadas anteriormente no tratamento da obesidade, foram banidas pela Anvisa em 2011 e em 2014 o Senado aprovou um projeto de lei (discute-se que pressionado pela indústria farmacêutica) que libera novamente o comércio dessas drogas. O estudo que validou a aprovação da droga nos EUA foi bastante abrangente (veja aqui) e verificou que uma determinada dosagem do medicamento foi capaz de reduzir o número de episódios de compulsão alimentar em comparação com o grupo placebo após 11 semanas de uso. Alguns efeitos adversos comuns incluem risco aumentado de dependência, taquicardia, agitação, insônia, labilidade emocional e, é claro, falta de apetite e perda de peso. A empresa Shire, que fabrica a droga, já contratou até mesmo uma garota propaganda: a tenista aposentada Monica Seles, que sofre de compulsão alimentar.

Algumas coisas me incomodam a respeito dessa liberação:

1. A indústria farmacêutica, em sua campanha milionária para promover a droga, chama a atenção para a existência do TCA, transtorno alimentar ainda bastante estigmatizado e que muitas vezes fica “camuflado” por seus outros “colegas”, como a anorexia e bulimia nervosas. Aumentar a atenção para a existência da doença é algo bom. Porém, como agora o TCA está sendo vinculado à existência da droga, existe um risco do público acreditar que o remédio “cura” a compulsão, sendo que quem de fato trabalha na área sabe que os gatilhos de uma compulsão alimentar são muito mais profundos e abrangentes, e nenhuma droga é capaz sozinha de eliminá-los. Há de se considerar também que só existe um estudo avaliando a droga no tratamento do TCA, enquanto que existem muitos outros avaliando o efeito de linhas de terapia já estabelecidas (psicológica e nutricional) e com bons resultados.  

2. Existe um risco da droga começar a ser usada para perda de peso mesmo por indivíduos que não tenham compulsão alimentar, assim como o Victoza o foi (esse medicamento foi inicialmente desenvolvido e estudado para o tratamento do diabetes tipo 2, mas um dos efeitos colaterais foi perda de peso. Resultado: na semana seguinte, as prateleiras estavam vazias nas farmácias... Já escrevi sobre isso aqui).

3. Se as anfetaminas não são extremamente eficazes no tratamento da obesidade (e muitos estudos/médicos/pacientes poderão atestar isso), porque seriam no tratamento a longo prazo da compulsão alimentar, onde existe um comprometimento psicopatológico do indivíduo muito maior?


Muitos especialistas em transtornos alimentares estão cautelosos e preocupados com a rápida liberação desta droga (veja reportagem do NY Times aqui). Alguns profissionais da área, nos EUA, relatam que pacientes que já começaram a usar a droga passam “muito bem” durante o dia, enquanto a droga está agindo e a perda de apetite está acontecendo. Agora, à noite, quando o efeito da droga passa, a história é diferente. A compulsão vem com tudo. Afinal, um dos fatores precipitantes da compulsão alimentar é justamente a restrição alimentar (que a droga promove). 

Na opinião deles (e na minha também), esta droga está longe de ser a “solução” para a compulsão alimentar.



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