Completamente transformado, mas ainda igual
Boa Vida

Completamente transformado, mas ainda igual



Já são bem divulgados e reconhecidos os efeitos benéficos da cirurgia bariátrica a curto e médio prazo, especialmente para pacientes que de fato possuem indicação para o procedimento e que são bem acompanhados durante todo o processo: perda e manutenção do peso perdido (apesar de que existem estudo que mostram que até 40% dos pacientes não atingem a meta de peso esperada a longo prazo); aumento do bem-estar geral; melhoras na saúde física. Entretanto, aspectos que na minha opinião não são suficientemente abordados com os pacientes antes e após a cirurgia são as dificuldades em lidar com as grandes transformações físicas e psíquicas resultantes do procedimento, principalmente a longo prazo (mais de cinco, dez anos). Citando alguns exemplos:

- muitos pacientes consideram a rápida mudança de imagem corporal algo difícil de se compreender, muitos se sentem vulneráveis e podem enfrentar situações negativas nos relacionamentos com família e amigos
- o reganho de peso, que até certo ponto é normal e esperado, pode ser visto como frustrante, vergonhoso e traumático
- o papel da comida na vida dos pacientes muda muito, e alguns podem sentir falta do conforto emocional que ela proporcionava, buscando então por outras formas inadequadas de lidar com sensações desagradáveis (abuso de álcool e drogas, por exemplo)

Um estudo qualitativo recente, com pacientes noruegueses que passaram pela cirurgia há pelo menos cinco anos, avaliou o significado do procedimento em suas vidas, focando nas transformações de peso, nas relações sociais e nas experiências corporais vivenciadas por eles. Alguns achados são bastante interessantes:

- os pacientes lidavam com o corpo de uma forma ambivalente: ao mesmo tempo que reconheciam todos os benefícios conquistados, percebiam que parte do desconforto com o corpo ainda persistia, apesar do emagrecimento (leia este post que trata sobre isso);
- o conforto de ter uma saciedade precoce, que promoveu aos pacientes uma maior sensação de controle, por vezes dava espaço à uma sensação de perda e vazio: o desejo pela comida e por sentir um pouco mais do sabor, mesmo sabendo não ser possível, impedia uma completa satisfação ao comer;
- a cirurgia foi encarada como “uma segunda chance para viver”, mas o “fantasma” do reganho de peso continuava pairando sobre os entrevistados, que relatavam uma dificuldade cada vez maior em manter o controle dos hábitos alimentares (a fome aumentou com o passar dos anos, as vontades começaram a surgir, e muitos não sabiam com encarar isto);
- alguns pacientes apresentaram após a cirurgia doenças crônicas como câncer e distúrbios cardiovasculares, e sentiram-se assustados pois foram forçados a encarar as limitações de um corpo magro, porém não invencível;
- alguns pacientes, que quando obesos se sentiam invisíveis e imperceptíveis, sentiram dificuldades em lidar com o novo grau de atenção alheia após a cirurgia, bem como com os comentários invasivos sobre sua alimentação e seus corpos.

Claro, o estudo foi realizado na Noruega, uma realidade bem diferente da nossa, e as transformações vivenciadas por cada pessoas são bem diferentes. Acompanho muitos pacientes que se beneficiaram imensamente da cirurgia. Entretanto, também sei que existem pacientes que passam pelas limitações e dificuldades descritas acima, e acho que aqueles que consideram passar pela cirurgia devem estar cientes disto. Nada na vida traz só coisas boas. Acredito que este estudo ilumina muitas questões a serem consideradas na avaliação, preparo e acompanhamento a longo prazo dos pacientes cirúrgicos.

Bom final de semana!



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